terça-feira, 7 de setembro de 2010

Ezan - O chamamento para a oração



É difícil imaginar Istambul sem o seu Ezan. Este chamamento, que ecoa cinco vezes por dia, chama os fiéis para a oração.


Allahu Akbar [Deus é Grande]
Ash-had an la ilaha illa llah [Confirmo que não existe outro deus senão Deus]
Ash-hadu anna Muħammadan rasulullah [Confirmo que Maomé é o seu Mensageiro]
Hayya 'ala-salatt [Vem à oração]
Hayya 'ala 'l-falah [Vem à suprema recompensa]
Al-salatu khayru min an-nawm [A oração é melhor que dormir]
Allāhu akbar [Deus é Grande]
La ilaha illallah [Não existe outro deus senão Deus]



A conturbada história do Ezan Turco

É possível verificar que os Turcos atribuíam grande importância à entoação do Ezan. No seu primeiro Estado estabelecido na Anatólia, o Império Seljuque, é possível inferir a importância do ritual através da magnificência das mesquitas e dos seus minaretes, assim como os edifícios destinados à aprendizagem religiosa.

É no Império Otomano que se constata a criação de postos oficiais destinados ao Ezan. Os sultões otomanos instituíram entidades tais como a Administração do Ezan, cuja função era seleccionar e instruir os indivíduos cujas vozes eram aptas, escolhendo os melhores para Muezzin. A Mesquita do Palácio possuía o seu próprio Muezzin Sénior, que entoaria o Ezan às Sextas-feiras ou durante as festividades religiosas nas grandes mesquitas, onde o Sultão estivesse presente.

Com a desintegração do Império Otomano e criação da República da Turquia, o novo governo coloca em marcha várias reformas culturais. Uma dessas reformas abrange a forma como o Ezan é entoado: doravante, o Ezan será entoado em Turco.

A medida recebeu grande contestação popular, assim como por parte das autoridades religiosas. Tiveram lugar confrontos, e a Polícia foi mobilizada para garantir que o Ezan fosse entoado em Turco. A entoação do cântico em Árabe constituía infracção grave, e a desobediência implicava multa e/ou prisão.

Em 1950, Adnan Menderes venceu as primeiras eleições livres na Turquia, formando governo e revogando a lei que proíbia a entoação do Ezan em Árabe. Mais uma vez, e até aos dias de hoje, o Ezan ressoa em Árabe através dos céus das cidades turcas.

domingo, 5 de setembro de 2010

Constantinopla, o Olho do Mundo


Queda de Constantinopla, fresco no Mosteiro de Moldovita, 1537



"Tão ávido de fama como Alexandre da Macedónia... [Mehmed II] diz que os tempos mudaram, de maneira que ele irá de Leste para Oeste tal como os ocidentais foram para o Leste. O Império do Mundo, diz ele, deve ser uno, uma fé, um reino. Para que esta união aconteça, não há local mais digno no mundo que Constantinopla."
-- Giacomo de' Languschi, escritor e mercador
1453


Constantinopla era o centro do mundo, e a verdadeira herdeira das tradições greco-romanas. Enquanto a Europa Ocidental sucumbia ao barbarismo, mergulhando inexoravelmente na Idade Média, Constantinopla mantinha a chama do conhecimento tão fulgurante como outrora.

Cercada por Persas, Árabes, Búlgaros, Russos, devastada pelo cerco e ocupação da Quarta Cruzada (da qual nunca viria a recuperar), a Cidade caiu às mãos de Mehmed II "el-Fatih" (o Conquistador). Por essa altura, o seu declínio era visível no estado decadente da cidade, palco de intrigas e disputas pelo manto púrpura do Imperador.

Constantinopla recebeu vários epítetos, entre eles "a Cidade" (tal como era conhecida pelos Bizantinos), a Rainha das Cidades, Cidade Guardada por Deus, o Olho do Mundo, a Inveja do Mundo. Todos estes nomes descritivos realçam a sua natureza cosmopolita como lugar único.

O seu nome actual, Istambul, tem origem no grego "is tin polis", que significa simplesmente "para a Cidade".

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Uma breve história do Türk Kahvesi (O Café Turco)

O Türk kahvesi (em português: Café Turco) é uma forma única de beber café. Quer na sua preparação, quer nos rituais associados à bebida ou na forma como junta as pessoas à volta de uma mesa e cultiva a amizade, o Café Turco é em tudo singular.

(Cortesia: Flickr)


Um pouco de história

A bebida tem uma história longa, que pode ser testemunhada no impacto que tem na cultura e no quotidiano de qualquer turco. Esta importância reflecte-se na própria língua, onde o café é usado para definir certos conceitos. A palavra turca para pequeno-almoço é " kahvaltı" (literalmente: antes do café), e o vocábulo usado para designar a cor castanha é “kahverengi” (literalmente, a cor do café).


O café foi introduzido em Constantinopla durante o sultanato de Süleyman o Magnífico, pela mão do Paxá Özdemir. Durante o seu mandato como Governador do Iémen, Özdemir ganhou o gosto pela bebida, e apresentou-a ao Sultão. Cedo se tornou a bebida de eleição do Palácio Imperial, e posteriormente, de todo o Império. Tornou-se assim uma bebida consumida por todas as classes, ricos e pobres, independentemente de credo ou proveniência, cujas propriedades eram consideradas medicinais.


Como resultado da importância do café no Império, cedo tiveram origem estabelecimentos que serviam café. Um dos relatos mais sonantes do impacto que estes locais tiveram no quotidiano de Constantinopla chega-nos através de Pecevi, um historiador otomano do século dezassete:

“Até ao ano 962 (1554-55) na Altíssima, divinamente abençoada cidade de Constantinopla, tal como nos territórios Otomanos em geral, cafés e casas de café não existiam. Cerca desse ano, um sujeito chamado Hakam, de Aleppo, e outro indivíduo chamado Shams, de Damasco, chegaram à cidade: cada um deles abriu uma grande loja na zona de Tahtalkala, e começaram a vender café. Essas lojas tornaram-se pontos de encontro de um círculo de hedonistas e ociosos, e alguns intelectuais de entre os homens de letras, e costumavam encontrar-se em grupos de 20 ou 30. Alguns lêem livros e refinados textos, alguns ocupavam-se do gamão e xadrez, alguns traziam novos poemas e falavam de literatura. Aqueles que costumavam gastar largas somas em dinheiro a servir jantares em honra da convivência, descobriram que poderiam atingir as alegrias da convivência gastando meramente um ou dois asper pelo preço do café. Chegou a tal ponto que todos os tipos de oficiais desempregados, juízes e professores, todos procurando prioridade, e aqueles que se sentavam pelos cantos sem nada para fazer proclamaram que não existia lugar igual no que diz respeito ao prazer e relaxamento, e encheram [a loja] até que não houvesse sítio para sentar ou estar. Tornou-se tão famoso que até grandes homens não conseguiam evitar lá ir. Os imans (1) e muezzins (2) e outros pios hipócritas disseram: “As pessoas tornaram-se viciadas da casa de café: ninguém vem às mesquitas!” O ulema (3) disse “É uma casa de feitos malvados; é preferível ir à taberna que à casa de café”. Os pregadores em particular deram-se a grandes esforços para proibir [a ida às casas de café]. Os muftis (4), argumentando que algo que é aquecido até ao ponto de carbonização, tal que se torna carvão, é ilegal e emitiram fetvas (5) contra isso [o café]. No tempo do Sultão Murad III, que Deus o perdoe e tenha misericórdia dele, tiveram lugar grandes interdições e proibições, mas algumas pessoas abordaram o chefe da Polícia e o capitão da Guarda acerca da venda de café através das portas das traseiras ou em becos, em pequenas e pouco notáveis lojas, e receberam permissão para tal. Depois disto, tornou-se tão comum que a proibição foi levantada. Os pregadores e muftis agora afirmavam que [o café] não fica completamente carbonizado, e logo, é permissível. Entre os estudiosos da religião, os xeiques, os vizires, e os grandes, poucos eram os que não o bebiam. Chegou mesmo ao ponto em que os Grandes Vizires (6) construíram grandes lojas de café na qualidade de investimentos e começaram a alugá-las à taxa de uma ou duas peças de ouro por dia.”


Reza a tradição (através de uma estória apócrifa) que o café chegou à Europa após o malogrado cerco de Viena em 1683. Em rápida retirada, os otomanos deixaram todos os seus pertences no acampamento, incluindo quinhentos sacos de café. Foi assim que os vienenses começaram a beber café acompanhado com um Croissant, enfatizando a carga simbólica da sua vitória contra o Crescente.


Apesar desta imaginativa estória, o facto é que o café chegou a Viena e Paris muito antes do cerco Otomano à “Maçã Dourada” (o nome dado a Viena pelos Otomanos), pela mão de comerciantes Arménios. O café assumiu um papel importante na revitalização da economia Otomana após a perda do domínio do Mar Índico para os navegantes Portugueses.


Apesar das suas fortes raízes culturais, é aparente que o Café foi suplantado pelo Chá enquanto bebida de eleição dos Turcos. Tal deve-se às circunstâncias económicas que se seguiram à desintegração do Império Otomano: os territórios onde o Café era cultivado já não faziam do Império Otomano, e a sua importação era cara. O Chá, por outro lado, era cultivado em território Turco, e respondendo ao apelo de Mustafa Kemal Atatürk, os turcos substituíram o Café pelo Chá enquanto bebida de eleição.

Notas terminológicas:


1. O Imam é no contexto islâmico o líder de uma Mesquita e o indivíduo que guia os restantes fiéis durante a oração.
2. O Muezzin é o indivíduo que entoa o Ezan, ou o chamamento para a oração.
3. Classe de especialistas em Direito e Estudos islâmicos
4. Um mufti é um interpretador do Direito Islâmico
5. Fetva ou Fatwa é uma opinião emitida por um especialista em Direito Islâmico
6. O Grande Vizir é o mais importante dos ministros do Sultão

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O Grande Autocarro Centro-Asiático

Na sua obra "The Turks in World History", o historiador americano Carter V. Findley recorre a uma curiosa analogia para descrever a progressão histórico-geográfica dos povos Túrquicos (o termo Turcomeno também é utilizado na língua portuguesa) através dos tempos.

Findley compara o fenómeno da Turquidade (Türklük) com um autocarro que inicia uma longa viagem na Ásia Interior e se desloca de Leste para Oeste. A viagem é longa, e existem inúmeras paragens. Algumas paragens prolongam-se durante muito tempo, algumas delas exigindo reparações inadiáveis ao autocarro. Viajantes entram e saiem; alguns pretendiam apenas uma curta viagem, ao passo que outros foram viajando conforme as rotas deste Autocarro Trans-Asiático.

Pela altura em que o Autocarro chega ao território correspondente à moderna República da Turquia, é quase impossível definir quais os passageiros (e respectivas bagagens) se encontravam no veículo desde o início, e quais entre eles entraram mais tarde. Apesar desta dificuldade histórica, o Autocarro não deixa de ser o Autocarro Trans-Asiático Turco.

A analogia, por mais estranha que possa parecer, facilita a compreensão histórica dos caminhos dos povos Túrquicos através da Ásia, e de mais importante, quais as distinções a traçar entre os povos Túrquicos. Permite também compreender que o fenómeno da Turquidade não se correlaciona exclusivamente com a Turquia, ou mesmo com o seu antecessor, o Império Otomano. Existem outros países onde os povos Túrquicos fizeram o seu lar, tal com o Azerbaijão (cuja herança cultural e linguística segue de perto a da Turquia) ou outros países onde os povos Túrquicos mantêm uma relação mais distante com os Turcos da Turquia: tal é o caso dos Turcos do Cazaquistão, ou os Uigures da China.

Existe uma dificuldade linguística e terminológica no que concerne à distinção entre os Turcos da Turquia e os restantes povos Túrquicos. Turco é o termo usado para tudo aquilo que tem origem na actual República da Turquia, ao passo que Túrquico é usado para os restantes países e comunidades. Esta distinção será importante à medida que exploraremos a história da Turquia e dos povos vizinhos.

Com estas ferramentas na nossa mochila, embarquemos no Grande Autocarro Centro-Asiático!

Merhaba

...ou "olá" em Turco, marca o início da nossa exploração da História, Cultura e Língua da Turquia. Prevê-se que seja uma viagem longa, o relato dos acontecimentos, das pequenas e grandes vidas que cimentaram a história dos territórios que hoje correlacionamos com a Turquia.

Servirá este blogue como uma espécie de bloco de notas e arquivo, cujas palavras ajudarão a construir a imagem de uma Turquia anterior aos nossos dias, entre Seljuques e Otomanos, Gregos Ponticos e Arménios, abrindo caminho até à moderna República da Turquia. Tal como a história, a cultura - sobretudo sobre a sua forma musical e gastronómica - serão passagens no nosso bloco de notas.

Para quem pretende conhecer a moderna Istambul em todo o seu esplendor, existem já alguns recursos lusófonos, tal como o Istambul 5 dias que poderão auxiliar na descoberta de uma das cidades mais exóticas do mundo. Para quem desejar aprender a Língua Turca, o curso de turco ministrado por Fatih Şanlı do ILNOVA na Universidade Nova de Lisboa é um recurso precioso.

Os blogues escritos pela mão de Lídia Lopes Kale, residente na Turquia, são janelas para uma perspectiva rara da cultura turca. Recomendo especialmente o Cozinha Turca, que nos deleita com um espéctaculo sensório - e com muita pena nossa, meramente visual - sobre a gastronomia turca. Pela mesma mão, temos um blogue sobre Música da Turquia e algumas Notícias da Turquia.

Para os frequentadores assíduos do Facebook, o perfil Língua e Cultura Turca é altamente recomendado.